Em Abril, o regresso a uma sociedade cavernícola?

Em abril, e em pleno arranque das comemorações dos nossos 50 anos de democracia, o país parece estar a atravessar uma valente crise de meia-idade

em abril, o regresso a uma sociedade cavernícola?

Em Abril, o regresso a uma sociedade cavernícola?

Em abril, e em pleno arranque das comemorações dos nossos 50 anos de democracia, o país parece estar a atravessar uma valente crise de meia-idade.

Ora vejamos: em poucas semanas o líder da AD viu-se obrigado a desmentir um hipotético recuo na lei do aborto, que tinha sido tranquilamente sugerido por um dos seus membros mais radicais, e ganhámos ainda cinquenta deputados de extrema-direita na AR, alguns deles abertamente misóginos. Na continuação das festividades de abril, os autores do manifesto “Identidade e Família”, uma espécie de autoproclamados vingadores da direita ultraconservadora portuguesa, presentearam-nos com a sua epifania visionária para o país, que é mais um plano de combate aos “adversários da família”, a “ideologia de género”, e a “cultura da morte.”

De visionária só mesmo a crença e a nostalgia face a uma sociedade abstrata e na qual nenhum democrata moderado se insere, até porque os excertos partilhados remetem não para o futuro, mas para a idade média. Ah, lá vem o clero fanático.

Seguindo um discurso típico da sua inclinação política, este novo grupo de vingadores do conceito “Deus, Pátria, Família” propõe-se, numa sociedade moderna, em 2024, a defender os seus compatriotas da sovietização do ensino, do aborto (independentemente de se tratar de uma criança a ter de interromper uma gravidez), da educação sexual (imagine-se, neste século, termos pessoas educadas acerca dos seus corpos), e dos adversários da família.

Enfim, aqui concordo com a necessidade de proteção: julgo que devemos genuinamente proteger as pessoas deste fanatismo que proclama apenas um modelo de família, que promove uma cultura de violação dos direitos sexuais e reprodutivos e que prejudica a saúde pública, e que procura a manutenção do estatuto do homem com o chão lavado pela mulher lá de casa, que é onde ela deve estar.

Não podemos ainda esquecer a nova bandeira-fetiche da direita ultraconservadora, a tal temida “ideologia de género”, essa perigosa agenda que ousa acabar com as modernices a que estamos todas muito mal habituadas: a mulher enquanto ser humano digno e em pé de igualdade com todos os outros seres humanos.

Se é certo que numa sociedade democrática devem existir espaço e tempo para o debate de todos e quaisquer temas e opiniões, é também certo que esse espaço e tempo têm ficado cada vez mais polarizados e radicalizados.

Sou a favor de espaço de diálogo com pontes, mas o que não pode existir é cegueira ideológica, crenças e opiniões que se sobrepõem a factos e aos direitos humanos fundamentais, nomeadamente das mulheres (em França, por exemplo, o direito ao aborto já é salvaguardado na constituição).

Também não deixa de ser irónico que a direita fanática não se preocupe minimamente com vidas de imigrantes (tanto lhes faz se morrem ou não), mas quando se trata de uma possível vida num corpo feminino, ora toca de pegar nos tambores e iniciar a marcha pró-embrião.

Face à audiência presente no lançamento do livro, podemos ainda refletir sobre a incerteza de retrocessos que nos possam chegar de outras frentes, a começar pela questão da igualdade numa pasta historicamente masculinizada: a defesa nacional.

Recentemente ressuscitaram os debates sobre o serviço militar obrigatório com vozes firmemente contra, na linha de que o Estado não deve impor aos seus cidadãos uma pausa involuntária nas suas vidas, e vozes firmemente a favor, seguindo o raciocínio de que uma esfregadela de cidadania não faria mal nenhum aos portugueses.

Não deixa de ser curioso como a ala política que apresenta o argumento a favor desta “disciplinação” da sociedade seja exatamente a mesma que se opõe às aulas de cidadania nas escolas – essa perigosa doutrina educativa que ensina um país melhor, mais tolerante para mais pessoas, e regido pelo princípio e valor democrático da igualdade.

O ministro Nuno Melo, que marcou presença no lançamento do livro, é um conhecido e convicto opositor da abordagem à lente de género, tal como tem vindo a proferir abertamente tanto nas redes sociais, como no Parlamento Europeu. Este não é um artigo sobre os desafios nas nossas forças armadas, mas relembro que a nossa ala política conservadora poderá levar o país ao regresso da defesa nacional dita tradicional.

É crucial acompanhar o que Nuno Melo fará ao plano setorial da defesa nacional para a igualdade, que se debruça sobre os valores que a direita fanática tem na mira: a plena participação e integração das mulheres em espaços que lhes foram historicamente bloqueados, a institucionalização transversal da perspetiva de género nas nossas políticas de defesa, a igualdade e não-discriminação, e a conciliação entre parentalidade e trabalho nas forças armadas. Para os autores do livro Identidade e Família, tudo isto é moderno demais para uma sociedade que se quer cavernícola.

News Related

OTHER NEWS

Região de Lisboa, Alentejo e Algarve sob aviso amarelo na 5.ª feira por causa da chuva

Tiago Petinga/LUSA Lisboa, 27 nov 2023 (Lusa) – Lisboa, Setúbal, Évora, Beja, Portalegre e Faro vão estar sob aviso amarelo a partir da madrugada de quinta-feira, devido à previsão de ... Read more »

Primeiro-ministro britânico vai recusar devolver à Grécia mármores do Partenon

Chris Ratcliffe / POOL/EPA Londres, 27 nov 2023 (Lusa) – O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, vai recusar devolver à Grécia os mármores do Partenon, guardados no Museu Britânico, em Londres, ... Read more »

"Tchau Chico!": médio do FC Porto 'desorientado' à entrada do avião rumo a Barcelona

O futebolista de 20 anos entrou no local errado no interior da aeronave, e não se livrou de algumas brincadeiras dos colegas de equipa. “Tchau Chico!”: médio do FC Porto ... Read more »

Bastonário dos médicos lança apelo ao ministro e à Direção Executiva do SNS

Carlos Cortes, Bastonário da Ordem dos Médicos. Foto: DR O bastonário da Ordem dos Médicos apelou, esta segunda-feira, ao ministro da Saúde para ouvir estes profissionais e ponderar “com seriedade” ... Read more »

Clima: Mar gelado da Antártida recuou em setembro 1,5 milhões km2 homólogos

Antártida (EPA/Alberto Valdes) A superfície gelada do mar na Antártida retrocedeu em setembro 1,5 milhões de quilómetros quadrados em termos homólogos, revelou esta segunda-feira o secretário-geral da ONU, António Guterres, ... Read more »

MotoGP: Miguel Oliveira mantém 88, mas ainda se desconhece a equipa

A DORNA divulgou também alterações aos regulamentos, de forma a permitir concessões de evoluções à Yamaha e à Honda, os dois construtores japoneses que se viram suplantados pela Ducati. MotoGP: ... Read more »

Blackstone está de olhos postos na compra de imóveis na Europa

Steve Schwarzman, fundador e CEO da Blackstone A gigante norte-americana Blackstone já tem vários negócios imobiliários na Europa e em Portugal. E deverá reforçar o seu investimento em breve. Isto ... Read more »
Top List in the World