Como fãs de novela resgatam obras raras como 'Sol de Verão' e 'Rainha da Sucata'

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Foi a paixão por novelas que levou o cineasta Lufe Steffen a viajar a Portugal pela primeira vez, e não os principais atrativos do país luso, como o rio Tejo ou a Torre de Belém.

Steffen, diretor do longa “Nós Somos o Amanhã”, conseguiu o contato em Lisboa de alguém que tinha fitas em VHS com todos os capítulos da novela “Dancin’ Days”, exibida na Globo em 1978 e reprisada na TV portuguesa em 2000. Na trama, as irmãs interpretadas por Sônia Braga e Joana Fomm viviam às turras.

O cineasta assistira à trama de Gilberto Braga na infância e sonhava em poder revê-la. Em vez de gastar com correios, resolveu investir em uma viagem internacional e trazer pessoalmente a então raridade ao Brasil em 2001.

“O rapaz português me pediu em troca discos de trilhas sonoras de novelas que ele não encontrava por lá. Então levei para ele”, diz Steffen.

Com as fitas em mãos, em vez de maratonar a novela, o cineasta foi com calma. “Eu via aos poucos para não perder a graça”, ele conta. A novela foi considerada à frente de seu tempo por ter como cenário principal uma discoteca e ao abusar de looks chamativos.

Mesmo com a audiência baixa das telenovelas atuais –”Elas por Elas”, por exemplo, teve os piores índices no horário das 18h da história da Globo, ao marcar média de 14 pontos na Grande São Paulo–, o formato ainda tem muito mais fãs ardorosos do que pode parecer.

Colecionadores como Steffen, em geral, são apegados a sucessos do passado. As narrativas, situações e falas de personagens de outros tempos soam, por vezes, deslocadas em um mundo politicamente correto como o atual, mas são essas novelas, das décadas de 1970, 1980 e 1990, que têm os admiradores mais empedernidos.

O assistente administrativo Walter de Azevedo, 52, tem um acervo pessoal com cerca de 300 novelas –fora os capítulos avulsos de tramas ainda incompletas.

“Comecei a gravar em VHS para fazer um ‘Vale a Pena Ver de Novo’ só meu”, conta. Ele acabou levando o hábito mais a sério que imaginava. Azevedo não comercializa seu material, mas empresta a amigos que eventualmente se interessem por algo.

Hoje, o noveleiro não precisa se preocupar em gravar capítulos. Além do canal pago Viva, que reprisa novelas antigas, a Globoplay traz em seu acervo tramas de épocas distintas. A plataforma disponibiliza agora até novelas incompletas, que tiveram capítulos perdidos pela emissora em incêndios ou por reutilização das fitas originais.

“Não gosto dessa coisa de exclusividade da minha coleção, não. A Globoplay é uma bênção. Foi isso que me deu a oportunidade de rever ‘Partido Alto’ [trama de 1984], por exemplo, que vi na época e da qual eu lembrava muito pouco”, diz Azevedo, que só conseguiu gravar suas fitas VHS a partir do fim dos anos 1980, quando o videocassete de fato se popularizou no Brasil.

Muitos dos seus maiores amigos noveleiros, aliás, ele só conheceria tempos depois, com o surgimento do Orkut, extinta rede social dos anos 2000 que serviu para entrosar amantes de novelas de diversos lugares do país.

“Nos anos 1990, eu não conhecia ninguém que gravava novela. Quando vi no Orkut tanta gente parecida comigo, pensei: ‘Sou maluco, mas não estou sozinho, existem vários outros como eu’”, diz.

Um desses “malucos” que ele conheceu online é o assistente de produção de eventos Ivan Gomes, 48. Assim como Azevedo, ele também se sentia isolado pela paixão folhetinesca. “Quando eu era adolescente, eu nem falava que gostava de novela porque eu morria de vergonha. Você não tinha com quem conversar sobre isso. Mas levava os discos com trilha sonora para a escola, porque deles eu não tinha vergonha”, conta Gomes.

Ele começou a ver novelas aos sete anos, e logo se apaixonou. Até parava de brincar com os amiguinhos para ver os capítulos.

“Em 1989, comecei a gravar as aberturas, chamadas comerciais e últimos capítulos das tramas. Primeiro foi o fim de ‘Rainha da Sucata’ [de 1990]. Foi a partir desse capítulo que consegui trocar com outros colecionadores por novelas mais raras, como ‘Fogo Sobre Terra’ [de 1974], ‘Estúpido Cupido’ [de 1976], e ‘Sol de Verão’ [de 1982], coisas que a Globo nem tem mais.”

Gomes conta que ter contato próximo com uma de suas novelas preferidas na infância, “A Gata Comeu”, de 1985, foi um momento de grande emoção. Segundo ele, um amigo organizou uma surpresa e o levou para o bairro onde a trama se passava —a Urca, na zona sul do Rio de Janeiro.

“No caminho, ele colocou no rádio do carro as músicas da novela, aí eu fiquei muito emocionado. Na Urca a gente almoçou, tirei fotos, postei no Orkut. A melhor novela de todas foi ‘Vale Tudo’ [de 1988]. Mas ‘Gata’ era minha novela do coração”, diz Gomes.

Por ter sido uma trama divertida e cheia de personagens infantis, “A Gata Comeu” marcou a infância de muita gente na década de 1980 e ainda hoje é uma das mais cultuadas pelos noveleiros. É também de autoria de Ivani Ribeiro outra novela que ganhou um status quase sagrado entre fãs do formato: “A Viagem”. O remake, que a Globo levou ao ar em 1994, foi originalmente uma produção exibida na TV Tupi, em 1975.

A assistente financeira Silmara Sousa, 44, diz que a trama de 1994 foi tão importante para ela que transformou sua vida em vários aspectos.

“Ela mudou a minha vida na parte espiritual. Eu me tornei kardecista por causa da novela. Minha avó já era espírita, mas a novela me levou a esse caminho”, diz Silmara. Na história, o jovem Alexandre (vivido por Guilherme Fontes) morre, mas seu espírito deseja se vingar dos seus desafetos de quando era vivo.

Silmara é uma das poucas mulheres no mundo dos loucos por novelas. Em geral, os fãs mais aplicados –ou ao menos os que participam mais ativamente do colecionismo e de grupos de discussão sobre novelas– costumam ser homens.

“O meu ‘hall’ de amigos são homens noveleiros. Tenho também amigas mulheres que gostam de novelas, mas a grande maioria são mesmo homens. E depois nós, mulheres, é que levamos a fama de noveleiras, né?”, ri a assistente financeira.

Atualmente, ela segue quatro novelas ao mesmo tempo: “Vereda Tropical”, de 1984, “Roda de Fogo”, de 1986, “O Sexo dos Anjos”, de 1989, e “Senhora do Destino”, de 2004.

“A gente vê as novelas na época, revê anos depois e algumas surpresas acontecem. Por exemplo, ‘O Sexo dos Anjos’ e ‘Vereda Tropical’ não estão mais entre minhas favoritas. Coisa que não vai nunca acontecer com ‘A Viagem’, que para mim vai ser sempre a número um”, afirma.

“A intenção de quem grava, em geral, é rever, mas com as obrigações da vida e com novos lançamentos que vamos acompanhando, isso não é tão usual quanto parece”, diz Fábio Costa, pesquisador de teledramaturgia e editor-chefe do site Observatório da TV.

Por isso mesmo, ele acredita que a figura do noveleiro incondicional precisa ser valorizada, para além das “maluquices” que cada um é capaz de fazer por amor ao formato.

“O valor do acervo particular, que preserva coisas que por vezes nem as emissoras têm, é muito importante e deve ser exaltado. Sem as fitas gravadas em casa por muitas pessoas desde os anos 1980, há momentos da nossa TV que estariam perdidos”, diz Costa, também ele um apaixonado e dono de uma pequena coleção particular.

O motivo de ele próprio manter seu acervo? “Se um dia ninguém mais tiver e você quiser ver novamente, você sabe que tem a novela!”, diz.

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