Alberto Coelho, ex-diretor-geral de Recursos de Defesa detido por suspeitas de corrupção esta terça-feira, já estava sob suspeita no ministério, mas João Gomes Cravinho, ex-ministro da Defesa e agora nos Negócios Estrangeiros, elogiou-o no Parlamento. E nomeou-o para presidente de uma empresa estatal da Defesa a pedido de Marco Capitão Ferreira – que agora é secretário de Estado da Defesa
Dois atuais membros do Governo deram cobertura a diretor-geral detido: o ministro Gomes Cravinho e o novo secretário de Estado da Defesa
Alberto Coelho, alto quadro civil do Ministério da Defesa – durante 18 anos diretor-geral de Pessoal e de Recursos de Defesa Nacional, – foi detido esta terça-feira pela Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção. Quando, em junho de 2021, o anterior ministro da Defesa, João Gomes Cravinho (agora ministro dos Negócios Estrangeiros) não o reconduziu na Direção-Geral para o nomear como presidente do conselho de administração da ETI – Empordef Tecnologias de Informação, fê-lo a pedido de Marco Capitão Ferreira, que nessa altura era o presidente da idD – Indústrias de Defesa. Segundo declarações de Gomes Cravinho na comissão parlamentar de Defesa a 7 de julho de 2021, foi Marco Capitão Ferreira, o atual secretário de Estado da Defesa, a pedir para Alberto Coelho ser presidente da ETI, quando já eram conhecidos os factos que vieram a dar nas buscas do processo “Tempestade Perfeita” levado a cabo pela Judiciária esta semana.
Quando já era conhecida a derrapagem de 2,45 milhões de euros – de 750 mil euros para 3,2 milhões – na obra para converter o antigo Hospital Militar de Belém num centro de atendimento covid-19, o então ministro da Defesa elogiou Alberto Coelho, que autorizou esses gastos, alegadamente sem cobertura legal.
O elogio surgiu no Parlamento, depois de uma pergunta do social-democrata Carlos Eduardo Reis, que naquelas circunstâncias de suspeição considerou “imprudente” a nomeação de Alberto Coelho para presidente da ETI: “Quanto ao dr. Alberto Coelho, não fazia sentido renovar o mandato” como diretor-geral, respondeu então o ministro. “Trata-se de uma pessoa com quatro décadas de experiência no MDN, uma pessoa válida e bem conhecida por todos os que trabalham nesta área, e cuja utilidade para o MDN não se tinha esgotado. O que aconteceu foi uma manifestação por parte das indústrias de defesa nos seus préstimos”, afirmou Gomes Cravinho. E nessa época, quem eram as “indústrias de Defesa”? O presidente do conselho de administração era o atual secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira.
Mas o ministro continuou a responder aos deputados, para dizer que, “passado algum tempo, foi proposto pela idD que [Alberto Coelho] fosse para uma empresa pequena que estava a ser presidida pelo próprio presidente da idD [Capitão Ferreira], o que não lhe permitia uma atenção permanente aos problemas da companhia.” Nessa altura, Capitão Ferreira acumulava a presidência da holding idD com a gestão da ETI. E então saiu mais um elogio a Alberto Coelho: “Os desafios que essa empresa tem e as qualidades do dr. Alberto Coelho traz, são adequados um para o outro. O que está a ser promovido e entendido é o interesse publico”, defendeu o então ministro da Defesa e atual ministro dos Negócios Estrangeiros. André Ventura, líder do Chega, defendeu a sua demissão esta terça-feira.
Cravinho decide em conflito com o seu secretário de Estado da altura
A decisão de Gomes Cravinho não foi unânime na cúpula do ministério da Defesa. Naquelas circunstâncias, a nomeação do diretor-geral veterano para chefiar a ETI gerou um conflito com o então secretário de Estado da Defesa, Jorge Seguro Sanches, que se opôs à decisão, apurou o Expresso junto de fontes da Defesa. Tinha sido esse secretário de Estado, aliás, a fazer um despacho, em julho de 2020, que precipitou os acontecimentos desta semana: pediu uma auditoria à Inspeção da Defesa Nacional e identificou oficialmente o problema da derrapagem nas obras, sublinhado não ter recebido respostas esclarecedoras de Alberto Coelho sobre quem autorizou uma despesa “mais de três vezes superior ao inicialmente estimado” para as obras no antigo Hospital Militar de Belém.
Os valores ultrapassavam em muito o plafond a que estão autorizados os diretores-gerais. Além disso, o secretário de Estado assinalava que as adjudicações não tinham sido comunicadas aos membros do Governo responsáveis.
No mesmo despacho em que identificou o problema, Jorge Seguro Sanches queixou-se da forma como Alberto Coelho (não) lhe respondeu às perguntas, com o envio de “220 folhas”, que não estavam numeradas ou identificadas, entregues de “de forma desordenada”. E fez questão de escrever que o procedimento do ajuste direto e a escolha das empresas contratadas eram da exclusiva responsabilidade do diretor-geral, que o fez “sem qualquer pedido de autorização à tutela, o que seria sempre exigida” nos termos da lei.
Mas não foram estas as informações que o então ministro João Gomes Cravinho deu aos deputados da Comissão de Defesa. Antes de mais, o ministro manteve a classificação “Confidencial” do relatório da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) sobre o caso. Depois, apesar de ter enviado o relatório para o Tribunal de Contas, nomeou Alberto Coelho para a Empordef. E a seguir, para além de elogiar o visado pelo seu secretário de Estado, desvalorizou a derrapagem criticada no despacho de Seguro Sanches.
Na mesma audição parlamentar de 7 de julho de 2021, Gomes Cravinho foi confrontado pelo social-democrata Carlos Reis, que lembrou que o ministro dissera ter havido um “desvio muito grande” em relação “ao custo inicial” nas obras do Hospital militar de Belém, mas que era “dinheiro que não se perde”. Na resposta, Cravinho não invocou despacho do seu próprio secretário de Estado, que considerava que Alberto Coelho tomara uma decisão ilegal de despesa sem a autorização da tutela. O então titular da Defesa apenas disse estar a “gerir o caso de acordo com os procedimentos adequados” e afirmou estar à espera da resposta do Tribunal de Contas para onde tinha enviado o relatório da IGDN.
Ora o Tribunal de Contas, em abril deste ano, interpôs uma ação de responsabilidade financeira contra Alberto Coelho com base na auditoria da IGDN e transmitiu esses factos ao Ministério Público.
Quando respondeu aos deputados, João Cravinho continuava a desvalorizar a derrapagem financeira: “A questão da derrapagem”, disse então o ministro, “tem a ver com o aumento do volume das obras, não tem a ver com um aumento de custo para a mesma obra”. Embora admitisse que “o relatório da IGDN identifica várias eventuais irregularidades”, remeteu sempre isso para o Tribunal de Contas.
“Uma coisa é o desvio em relação àquilo que foi inicialmente previsto”, afirmou o então ministro da Defesa, ”outra coisa é uma derrapagem de custo. Sim, o custo foi sensivelmente três vezes mais do que o inicialmente previsto, porque as obras foram muitíssimo mais amplas do que inicialmente pensado. Não é a mesma obra que custa mais dinheiro”, justificou.
Além de Alberto Coelho, os outros dois altos quadros detidos esta terça-feira na “Operação Tempestade Perfeita”, que envolveu mais de 200 inspetores da Judiciária, são Francisco Marques, diretor de Serviços de Infraestruturas e Património, e Paulo Branco, ex-diretor da Gestão Financeira do Ministério da Defesa (que tinha sido exonerado em maio de 2021).
Além destes três funcionários civis do Ministério da Defesa, foram também detidos dois empresários da área da construção civil. Um processo que fez no total 19 arguidos por suspeitas de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento.
Em causa, estão adjudicações suspeitas no Ministério da Defesa a várias empresas entre 2018 e 2021, que lesaram o Estado português em “muitos milhares de euros”. Mais concretamente a derrapagem de obras de adaptação do antigo Hospital Militar de Belém, rebatizado como Centro de Apoio Militar de Belém.
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