Ogier venceu Rali de Portugal: a longa noite de Fafe que antecedeu a queda do recorde de Markku Alen
Ogier vence pela sexta vez em Portugal e quebra recorde que vinha do tempo de Markku Alen
Ogier venceu Rali de Portugal: a longa noite de Fafe que antecedeu a queda do recorde de Markku Alen
Todas as vezes que fui ver a lendária passagem dos concorrentes do Rali de Portugal em Fafe/Lameirinha/Confurco pensei sempre que uma parte daquele mar de gente estava provavelmente lá acampado desde a véspera. Às primeiras horas de domingo pude confirmar que assim era, de facto: as laterais do troço e o próprio trilho pareciam a estação do Rossio às oito da manhã, com a diferença de estar frio, escuro que nem breu e praticamente toda a gente estar munida de lanternas frontais, barras led e toda a espécie de lampiões inventados pelo engenho humano.
A convite do importador nacional da Toyota, um grupo de jornalistas percorreu de automóvel os quase 12 km da classificativa de Fafe. Pouco faltava para a meia-noite quando a caravana de 15 viaturas CH-R se pôs em marcha, precedida por una pick-up da GNR com os rotativos acesos. Uma precaução imposta por esta força de segurança dado que, segundo explicaram, “havia muita gente no troço”. Nem fazíamos a mínima ideia…
Gente, tendas e fogueiras
Os primeiros quilómetros de Fafe não têm nada de extraordinário, uma pista relativamente sinuosa mas sem nada digno de nota, desenvolvendo-se pelo meio de uma zona florestal. Tudo muda à passagem pela aldeia de Vila Pouca: o perfil do troço, predominantemente a descer com vários ganchos, e a quantidade de gente. Se até então nos tínhamos cruzado com pequenos grupos de espectadores alumiados pelas proverbiais lanternas e caminhando ao longo do troço, daí em diante entrava-se noutro mundo: dezenas de tendas, tascos profusamente iluminados com a música aos berros, fogueiras, grelhadores e um mar de luzes. E, claro, milhares de pessoas, indiferentes ao frio gélido destas serras.
Depois do famoso Salto do Pereira, a pista torna-se muito trabalhosa com piso escorregadio de gravilha, muita inclinação e diversas curvas muito apertadas. Entra-se para a esquersda no asfalto a escorregar, desequilibra-se o carro para o outro lado, passa-se outra vez a piso de terra e ataca-se o gancho para a direita que assinala o início de uma subida trabalhosa com algumas armadilhas. No topo, novo salto, o da Pedra Sentada, e o final do troço ladeado por uma verdadeira cidade efémera de tendas, alpendres e tascos.
Homens vestidos de vacas e cerveja a rodos
Noutros tempos, os nossos bisavôs teriam medo de por aqui passar a altas horas da noite, temendo os lobisomens, as bruxas, as almas do outro mundo e outros mostrengos. Mas na noite de sábado para domingo não haveria bruxedo que resistisse a tanto grito, tanta música pimba e tanto hectolitro de cerveja e vinho. À passagem da caravana confirmavam-se que estávamos no velho Minho dos caceteiros, do jogo do pau e da Maria da Fonte que Camilo tão bem descreveu. Do meio do escuro vinham vozes cavernosas: “quem sois vós, bandalhos, que andais aqui a fazer”? Escusado será dizer que “bandalho” foi o epíteto mais suave que saiu daquelas bocas santas…
Um paisano com um daqueles pijamas a imitar vacas berrava: “sou vaca, sou, mas a esta hora da noite não dou leite”. Outro, já entrado nos anos, forçou a paragem do nosso carro, atirando-se para a frente do dito e obrigando o nosso condutor a emborcar uma cerveja enquanto o abraçava e lhe dizia “obrigado por tudo”. Um dos presentes explicava: “estes gajos são os pilotos que vêm ver o troço…” A entrada no asfalto e o gancho à direita a subir estavam de tal forma cobertos de gente que os elementos da GNR nem nos deixaram parar para tirar fotografias. “Sigam, que isto tem gente demais. Logo param mais acima”.
Ogier mantem calma e faz história
Foi neste ambiente mas ainda com mais gente e já à luz de um dia com muito nevoeiro a transformar a corrida dos da frente num jogo de adivinhação que Sebastirn Ogier fez história, gerindo a vantagem de 13 segundos que trazia da véspera, vencendo esta edição do rali e desempatando um recorde que partilhava com o lendário Markku Alen, ambos com cinco vitórias, Alen vencera em 1975, 1977, 1978, 1981 e 1987. Ogier, em 2010, 2011, 2013, 2014 (sempre no Algarve) e em 2017 já no actual figurino.
A lendária cama de Ogier (Toyota) fora bem visível sábado ao fim da tarde no circuito de Lousada onde andou praticamente à velocidade de Tanak (Hyundai) mas sem nunca arriscar qualquer toque ou percalço. E voltou a fazer o mesmo nas duas passagens por Fafe que nem uma equipa da Liga dos Campeões controlando o jogo nos derradeiros minutos da partida.
Em termos de classificação toda a gente ficou satisfeita. Ogier bateu novo recorde e a Toyota ganhou. Neuville da Hyundai fez a única coisa ao seu alcance, apostando tudo na ultima passagem por Fafe que dá pontos extra para o campeonato, vencendo o troço e batendo o recorde que minutos antes Rovanpera (Toyota) batera. Desta forma o belga voador reforça a liderança do mundial, tanto mais que ao seu mais próximo rival Elfyn Evans tudo lhe correu mal. Tanak (Hyundai) bateu-se até ao fim mas não conseguiu passar do segundo lugar, sendo o terceiro de Neuville. A Toyota destrona a Lancia, tornando-se na marca com mais vitórias em Portugal (9). Armindo Araújo foi pela sétima vez o melhor dos portugueses.
Mas tudo isto é aritmética. O que interessa é a emoção e o coração e isso não há petrodolares que comprem: teremos rali em Portugal pelo menos até 2026 e este público que passou a noite ao relento bem o merece.