Ortorexia: o distúrbio alimentar que poucos conhecem e muitos incentivam

ortorexia: o distúrbio alimentar que poucos conhecem e muitos incentivam

A ortorexia não é apenas uma preferência por alimentos nutritivos – é um conjunto de regras rígidas sobre a forma como uma pessoa come. Kilito Chan/Moment RF/Getty Images

Jason Wood estava de férias, sentado num restaurante com o marido, zangado e aborrecido por não poder trocar o pão pita por legumes frescos no seu prato de húmus.

A angústia não era exagerada, disse Wood. Foram 20 anos de distúrbio alimentar e a ansiedade e o stress que lhe estão associados culminaram num único momento, contou.

Wood sofre de ortorexia, um distúrbio alimentar que não consta do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, também designado por DSM, o guia formal para a avaliação clínica das doenças mentais. Mas os médicos estão a observar um aumento da ortorexia entre os pacientes, indicou a terapeuta Jennifer Rollin, fundadora do Eating Disorders Center em Rockville, Maryland, nos Estados Unidos.

“A minha esperança é que seja adicionada ao DSM, mas, infelizmente, parece ser um processo muito lento para conseguir que seja incluído”, lamentou Rollin.

A ortorexia é uma obsessão com a qualidade e a pureza dos alimentos — o chamado clean eating (comida limpa), definida por um conjunto de regras que dependem de certos indivíduos e do contexto em que vivem, explicou Jennifer Gaudiani, médica de distúrbios alimentares e fundadora e diretora médica da Clínica Gaudiani em Denver. Um estudo de novembro de 2023 descobriu que aproximadamente três em cada 10 participantes mostraram sinais de ortorexia.

A doença é muitas vezes ignorada ou subestimada por estar tão centrada na alimentação saudável, observou Wood, diretor de envolvimento comunitário da Associação Nacional de Anorexia Nervosa e Perturbações Associadas (ANAD) dos Estados Unidos.

A falta de conhecimento sobre a doença impediu que os amigos e a família de Wood manifestassem as suas preocupações – por vezes até aplaudindo os seus esforços para seguir princípios alimentares rígidos – mesmo quando ele se afastava dos amigos e perdia tanto peso que deixava de conseguir manter a temperatura corporal.

Eis o que precisa de saber sobre a ortorexia.

A cultura da dieta disfarçada

Concentrar-se numa alimentação saudável parece ser uma coisa boa, certo? Nem sempre.

Os distúrbios alimentares têm, muitas vezes, uma base semelhante: uma predisposição genética combinada com fatores ambientais, afirmou Rollin. E, muitas vezes, a perturbação centra-se num conjunto rígido de regras, quer se trate de calorias, do momento de comer ou dos ingredientes dos alimentos, acrescentou.

Quando as pessoas vulneráveis a distúrbios alimentares se agarram ao facto de só comerem de uma forma que consideram saudável, o comportamento pode passar de uma preferência a uma obsessão, explicou Rollin.

Ao longo dos anos, Wood disse que a sua lista de alimentos não saudáveis foi aumentando e os considerados saudáveis foram diminuindo até que deixou de ir a festas porque não conseguia encontrar nada que se permitisse comer, o que o deixou com muita ansiedade.

Para algumas pessoas com ortorexia, mas não para todas, a sua imagem corporal pode começar a depender do cumprimento rigoroso das suas regras alimentares, notou Rollin.

E com bases semelhantes, a ortorexia pode transformar-se noutras perturbações, como a bulimia ou a anorexia nervosa, segundo a especialista.

As motivações que as pessoas com ortorexia podem ter, bem como o aplauso que recebem da sociedade, podem ser rotuladas como promoção da saúde ou prevenção de doenças, mas são muitas vezes substitutos de uma “cultura de dieta pura e antiquada” que dá prioridade a uma forma e tamanho ideal do corpo, esclareceu Gaudiani.

“Alguns elementos podem ser muito parecidos com a cultura da dieta disfarçada”, defendeu Rollin.

E mesmo que não haja vergonha do peso, a ortorexia e os passos que uma pessoa dá para cumprir certas regras alimentares podem ser dispendiosos, distrativos e angustiantes, considerou Gaudiani.

“Também nos pode limitar em termos de quais são os nossos maiores objetivos e valores”, acrescentou.

Afinal, o que é que é saudável?

Outro sinal de que as regras alimentares não têm apenas a ver com a saúde é a dificuldade em definir o que é saudável.

Na década de 1990, uma alimentação saudável e limpa consistia em dietas com baixo teor de gordura, lembrou Gaudiani. Atualmente, é mais provável que as pessoas considerem saudáveis os alimentos ricos em proteínas e gorduras, mas pobres em hidratos de carbono e açúcar.

Outros dariam prioridade à origem dos alimentos – por exemplo, se são orgânicos, não transgénicos e locais.

É claro que não é errado querer comer uma salada, observou Rollin, mas o problema surge quando se pensa que só se pode comer uma salada.

Cada pessoa é única, pelo que a escolha alimentar mais saudável num determinado momento dependerá das necessidades de cada indivíduo e do contexto em que se encontra. A menos que seja necessário comer de uma determinada forma devido a um problema de saúde, muitas vezes a melhor atitude a tomar é ouvir o nosso corpo, defendeu Rollin.

E quando se pensa em saúde, é importante não pensar apenas em nutrição.

Uma vida saudável inclui relações sociais ricas, tempo passado a perseguir paixões, atividade física agradável e espaço cerebral suficiente para encontrar a paz – tudo o que é difícil de encontrar quando se passa horas por dia a ponderar o que se “deve” comer.

“Se é alguém que apenas quer viver uma vida razoavelmente equilibrada, social e conectada, as regras da ortorexia podem isolá-lo dos seus pares, porque acaba por recusar oportunidades de comer com outras pessoas porque elas não seguem as mesmas regras”, destacou Gaudiani. Por isso, se dissermos “não”, o nosso mundo social pode entrar em colapso e tornar-se bastante pequeno.”

Recuperar e viver a vida

Se você ou um ente querido precisa de ajuda para tratar a ortorexia, a boa notícia é que o tratamento segue um caminho semelhante aos planos estabelecidos para as perturbações alimentares, como a anorexia ou a bulimia nervosa. A má notícia é que a falta de consciencialização do público pode apresentar obstáculos.

Ao procurar terapia, procure não só um especialista em distúrbios alimentares, mas também um com experiência em ortorexia, aconselhou Rollin. Nem todos os especialistas têm essa experiência.

As pessoas com ortorexia podem encontrar uma equipa que inclua terapeutas e dietistas, à semelhança dos doentes em tratamento de outras perturbações alimentares. Mas as pessoas que vivem com ortorexia também enfrentarão provavelmente a camada adicional de desvendar a sua definição de saúde e reformular as suas ideias em torno dela de uma forma desafiante.

O processo também pode envolver trabalho com as pessoas à sua volta, apontou ainda Rollin. Cada vez mais pessoas se apercebem de que não é boa ideia falar regularmente sobre a alimentação em termos de peso, mas cada vez menos pessoas consideram problemático falar sobre alimentos “saudáveis” ou “não saudáveis”, afirmou.

“Poderá ser necessário educar amigos e familiares, para os ajudar a compreender e a ter compaixão sobre a razão pela qual os comentários sobre o novo sumo de desintoxicação que está a fazer são reativos para eles”, indicou.

E aqueles que estão em recuperação também devem ter compaixão por si mesmos, disse Gaudiani.

“Ninguém faz isto só por diversão ou para acabar acidentalmente em sarilhos. Começam a fazê-lo porque sentem que a sua saúde beneficia ou porque sentem que existe uma pressão social, ou porque sentem que o que estão a fazer é seguro.”

O processo de recuperação pode ser difícil, mas é gratificante, garantiu Wood. Já se passaram quase quatro anos desde que percebeu que tinha atingido o fundo do poço naquele jantar de férias.

“Sinto que estou a recomeçar a viver a minha vida. Estou a conseguir aplicar todo o tempo que costumava passar a pensar em comida noutros aspetos da minha vida. E isso tem sido muito bom.”

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