A batalha das mães independentes contra a Segurança Social: "Num casal, um filho pode ficar doente 60 dias. Os nossos filhos só podem ficar doentes 30 dias"

Andreia Waddington

Andreia Waddington garante que não se arrepende de nada e que “voltava a fazer tudo outra vez”. Tem uma relação estável há vários anos com um homem que não quer voltar a ser pai, mas ela sempre sonhou com os próprios filhos. Esta educadora de infância, agora com 34 anos, resolveu partir para a maternidade independente e recorreu a uma clínica de fertilidade para cumprir o sonho de ser mãe. A vida, como não podia deixar de ser, deu uma volta de 180 graus… ou melhor, deu três. Andreia engravidou de trigémeos.

“Tive a hipótese de fazer uma redução embrionária, mas optei por não fazer, por causa dos riscos para mim e para o bebé que ficasse”, explica à CNN Portugal.

Andreia é um dos rostos da maternidade independente em Portugal. Já levou a sua história a programas de televisão e tem dado várias entrevistas a relatar o dia-a-dia a quatro e tem uma página no Instagram que intitulou 3de1vez. “Eu saio do infantário e chego a casa e tenho outro infantário”, diz, com humor.

Andreia é mãe de um menino e duas meninas que acabaram de completar quatro anos. Conta com o apoio da mãe e da entidade patronal que, por exemplo, lhe permite ter os filhos na instituição, já que não teve vaga na rede pública de pré-escolar, apesar de serem trigémeos. Sempre que um dos gémeos fica doente e não consegue ninguém para cuidar dele, Andreia conta também com a compreensão do infantário onde trabalha. Já o mesmo não pode dizer da Segurança Social.

Andreia é educadora de infância e tem três filhos fruto de maternidade independente (TVI)

Sempre que precisa de submeter um pedido de assistência a filho menor, Andreia esbarra com burocracias e pedidos de regulação de poder paternal, quando os filhos não têm o nome do pai nas certidões de nascimento e a situação é clara na Segurança Social (SS) desde o primeiro dia de inscrição das crianças ainda na maternidade.

“Em dezembro, tiveram varicela. Já se sabe: primeiro um, quando o primeiro estava quase bom, foi o outro, depois o outro… Tive de submeter três pedidos de assistência a filho menor. Vieram todos indeferidos”, recorda.

“Até às primeiras quatro assistências, correu sempre tudo bem. Depois veio uma indeferida e tive de ir diretamente à Segurança Social entregar novamente as certidões de nascimento em papel e a nota de alta clínica. Se a situação está esclarecida na Segurança Social desde o início, com os documentos da clínica a informar que as crianças foram concebidas com recurso a doação de esperma de doador anónimo e não têm nome do pai nas certidões de nascimento, porque é que, cada vez que eu preciso, tenho de estar a faltar ao meu trabalho para ir explicar a situação de novo à Segurança Social?”, questiona.

30 dias de assistência, mais um por cada filho

Como qualquer outra criança com menos de 12 anos, os filhos de Andreia têm direito a que a mãe falte ao trabalho para cuidar deles quando ficam doentes. Como em qualquer outra família, a mãe tem direito a faltar ao trabalho 30 dias por ano civil, acrescidos de mais um por cada filho além do primeiro, pagos pela Segurança Social. Mas as crianças com dois progenitores têm direito a este apoio por parte da mãe e também do pai. Ou seja, um casal pode ficar em casa a cuidar de filhos menores de 12 anos doentes num total de 60 dias por ano (mais dois por cada filho, além do primeiro).

“Num casal normal, um filho pode ficar doente 60 dias. Os nossos filhos podem ficar doentes só 30 dias por ano”, resume Andreia Waddington.

Andreia Waddington só tem 32 dias por ano de assistência a filho (30, mais um por cada filho adicional) para ficar em casa com os trigémeos em caso de doença das crianças (Arquivo pessoal de Andreia Waddington)

É assim no subsídio de assistência à família e em qualquer outro subsídio atribuído pela Segurança Social, incluindo o subsídio de parentalidade. O subsídio parental inicial é atribuído por um período até 120 ou 150 dias seguidos, conforme a opção dos pais, sem perda de remuneração quando a licença é partilhada. No caso das mães independentes, se optarem pela licença de 150 dias, perdem 20% da remuneração de referência.

“Relativamente ao subsídio de parentalidade, não existe diferenciação no montante a conceder pelo facto de estarmos perante um agregado familiar monoparental. Nesta situação, poderá gozar a licença parental inicial por 120 ou 150 dias pagos, respetivamente a 100% ou 80% da remuneração de referência”, esclarece a SS, em resposta à CNN Portugal.

Quanto a restantes subsídios, a SS esclarece que “as mães em apreço têm direito à majoração por monoparentalidade”, como qualquer família monoparental. E acrescenta: “Importa esclarecer que nas situações em que a criança não tem, ainda, NISS atribuído e que no pedido de abono apenas vem preenchido na filiação o nome da mãe, poderá ser necessário solicitar um pedido de esclarecimento à beneficiária que está a solicitar a majoração. Contudo, o processo deverá ficar regularizado após a respetiva identificação da situação, não havendo necessidade de apresentação de regulação de poder paternal.”

“Só podemos contar com o nosso salário”

Inês Fontoura também respondeu ao apelo da maternidade de forma independente. Luca já completou cinco anos e Inês reconhece que nunca se defrontou com os problemas com a SS com que, por exemplo, Andreia se depara. “Felizmente, sempre que preciso de ficar com o Luca em casa por estar doente, a minha entidade patronal não me desconta o dia. E nunca precisei sequer de solicitar a assistência a filho menor”, admite.

Mas, acrescenta, no grupo de WhatsApp que administra e na página de Instagram que alimenta e onde acolhe outras mães, recebe inúmeros relatos de mulheres que se deparam com estas questões diariamente.

“Uma mãe que decide ter um filho sozinha está também a contribuir para o aumento da taxa de natalidade e para o desenvolvimento da economia do país. Não temos de ter benefício por isso, mas por que é que não podemos ter benefícios por isso? Todas nós decidimos construir as nossas famílias, por nossa conta, desde o início ao fim. Desde os tratamentos até à criação dos filhos. As mães independentes têm de ir todas para o privado e estes tratamentos de fertilidade não são cobertos por qualquer seguradora”, argumenta.

Inês Fontoura é mãe de Luca, fruto de maternidade independente (Arquivo Inês Fontoura)

“Não somos simples famílias monoparentais. Porque, na generalidade das famílias monoparentais, pressupõe-se que há um pai a quem a mãe pode pedir uma compensação financeira. Ele pode até não cumprir, mas a mãe tem direito a processá-lo judicialmente para obter essa compensação. Uma mãe independente só pode contar com o próprio salário”, acrescenta.

Na verdade, como reconhece a própria SS, em resposta à CNN Portugal, “a Segurança Social não dispõe de um termo identificativo para ‘mães solteiras’ ou ‘mães independentes’, aferindo apenas a sua condição monoparental de progenitor ou adotante”.

A luta de uma espanhola que pode abrir portas no mundo inteiro

Maria Tomé, uma mãe independente espanhola, ganhou recentemente uma batalha na justiça contra o sistema de previdência do país vizinho. Três anos depois do nascimento da filha, viu o Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia dar-lhe razão e reconhecer-lhe o direito de usufruir da licença de maternidade a duplicar.

“Se o objetivo da licença por nascimento e cuidado do menor, como refere a administração pública, é proteger a criança, porque é que a minha filha só tinha direito a 16 semanas e se tivesse os dois progenitores teria direito ao dobro? Porque é que ela tem de ter só metade da atenção e do cuidado daquele com que podem contar as outras crianças?”, questionou, em declarações ao El Mundo.

O jornal conta que Maria Tomé viu uma primeira sentença ser-lhe favorável, a 6 de outubro de 2022. “Atendendo ao superior interesse do menor, deve impedir-se a desigualdade de tratamento”, dizia a sentença, citada pelo El Mundo.

De acordo com o diário espanhol, a decisão de primeira instância invocou inclusive a Constituição espanhola e concedeu a Maria Tomé mais 12 semanas adicionais de licença de maternidade. “A negação da prestação supõe uma conculcação do direito de igualdade que consagra a Convenção sobre os Direitos da Criança”, dizia ainda sentença de primeira instância, numa decisão que poderá abrir precedentes.

Mas a Segurança Social espanhola não ficou satisfeita e interpôs recurso e viu agora o Tribunal Superior de Justiça andaluz confirmar a decisão de primeira instância. Maria Tomé pode, com atraso de três anos, disfrutar da sua ampliação da licença de maternidade.

Inês Fontoura considera que o que se passou em Espanha é um exemplo: “É uma luta que temos de travar cá também. Num casal, a criança consegue estar mais tempo em casa, com o pai ou com a mãe. No caso das mães independentes, não. Ao fim de cinco meses, temos de os colocar na creche ou arranjar uma ama.”

Uma monoparentalidade em crescimento

Andreia e Inês são apenas duas das muitas histórias que existem em Portugal. Inês Fontoura garante que são cada vez mais. O grupo de WhatsApp que administra tem quase seis dezenas de membros. E o grupo do Facebook Mães Soleiras por Opção – Portugal conta com 375 membros.

A CNN Portugal contactou a Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução para apurar o número de mulheres sozinhas que recorrem à PMA para serem mães. A SPMR encaminhou para o relatório do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA). O último relatório disponível data de 2021 e aponta para um total de 179 partos de mulheres sem parceiro que recorreram à Procriação Medicamente Assistida, com recurso a diferentes técnicas, como a Fertilização in Vitro (FIV) e Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides (ICSI), com doação de esperma, de esperma e ovócitos ou de embriões, ou ainda por Inseminação Artificial (IA). No ano anterior, tinham ocorrido 99 partos de mulheres sem parceiro com recurso às mesmas técnicas.

O relatório aponta ainda para um número muito residual de tratamentos de PMA a mulheres sem parceiro no Serviço Nacional de Saúde e todos sem resultado positivo. “Sublinha-se que, em 2021, uma vez mais, foi residual o número de tratamentos de PMA nos Centros públicos em casais de mulheres e mulheres sem parceiro/a. Tal continua, seguramente, a ser consequência das enormes dificuldades, não ultrapassadas, de conseguir dádivas de gâmetas no âmbito do Banco Público de Gâmetas”, justifica o CNPMA.

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